O Estado Português vai ter pagar 21 mil euros a uma mãe que ficou 21 anos a tentar receber a pensão de alimentos devida pelo pai do seu filho. Em 2019, o processo de execução instaurado ao devedor acabou arquivado, sem que a mulher tivesse recebido qualquer valor.
A mulher processou o Estado por excesso de prazo razoável e o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto deu-lhe razão. O Estado ainda recorreu, alegando que não havia omissão ilícita de qualquer dever de agir, mas o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA-N) confirmou a decisão.
Pensão de 20 contos para filho de 13 anos
O caso teve início em 1996, ano em que a mulher se separou. Ela ficou com o filho de 13 anos a seu cargo e, segundo o acordo de regulação do poder paternal, o pai teria de lhe entregar 20 contos (100 euros) mensais a título de pensão de alimentos. Não pagou sequer uma vez.
Em 1998, a mulher avançou com uma ação executiva para cobrar coercivamente o valor em falta. Nesse mesmo ano, o Estado penhorou um apartamento do ex-marido em Matosinhos. Sem nunca conseguir notificar o executado, o imóvel acabou vendido em 2003, mas a receita foi toda para um banco pois o homem tinha deixado de pagar o empréstimo.
Penhorou lugar de garagem
No ano seguinte, a mulher pediu então a penhora do lugar de garagem do apartamento. Por se tratar de um espaço comum, seria necessário notificar os restantes proprietários antes de se avançar para a venda.
Até 2019, o Estado não tinha conseguido levar o processo avante. Nesse ano, a mulher veio a descobrir que, apesar de penhorado, o lugar de garagem já havia sido vendido pelas Finanças para pagar dívidas fiscais. Ou seja, já não restava qualquer património ao executado.
Processo arquivado após 21 anos
Após 21 anos, o processo acabou arquivado sem a mulher ter recebido qualquer valor. A mulher não se conformou e, argumentando excesso de prazo razoável, apresentou uma queixa contra o Estado português junto do TAF do Porto.
Em novembro do ano passado, os juízes deram-lhe razão e condenaram o Estado a pagar-lhe 27 mil euros. O Estado recorreu para o TCA-N. Os juízes deste tribunal de recurso, lembraram que, segundo a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e, portanto, dos tribunais portugueses, a duração “razoável” de um processo em primeira instância, para a generalidade das matérias, é de três anos, passando para quatro a seis anos, caso haja recurso para tribunais superiores.
Prazo genérico foi “claramente ultrapassado”
Ora, neste caso em concreto, o processo de execução para alimentos a menor teve a duração de 21 anos, tendo corrido sempre em primeira instância. Deste modo, verifica-se que o prazo genérico máximo foi “claramente ultrapassado”.
O acórdão do TCA-N, avançado pelo jornal Público e consultado pelo JN, frisa que, neste caso, o processo não assume especial complexidade e a autora agiu sempre com lisura e o executado nunca apresentou oposição, mantendo-se em revelia absoluta. E, mesmo sendo verdade que o Tribunal de Família e Menores do Porto estava carenciado de meios – cada juiz tinha uma pendência de mais de mil processos -, tal é imputável ao Estado e não aos seus agentes, explica-se.
“Funcionamento anormal do tribunal” causou delonga de 18 anos
Assim, o TCA-N considerou que a ação de execução era “passível de estar decidida em primeira instância, no prazo mínimo de três anos”, pelo que houve uma delonga processual por 18 anos, causada pelo “funcionamento anormal do tribunal”, havendo assim ilicitude na atuação do Estado.
Inicialmente, o TAF do Porto calculou uma indemnização por danos não patrimoniais de 27 mil euros, 1500 euros por cada um dos 18 anos de atraso. Porém, após recurso, a 28 de janeiro, o TCA-N reduziu este montante para 21 mil euros.
in Jornal de Noticias | 16-02-2022