Com este retorno à atividade normal, cuja preparação levou nas últimas semanas o Ministério da Justiça (MJ) a efetuar reuniões com representantes de juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais, a realização presencial de julgamentos e de inquirição de testemunhas passa a ser a regra nos tribunais a partir de quarta-feira.
O MJ, em articulação com a Direção-Geral de Saúde (DGS), divulgou uma série de medidas destinadas a garantir a higienização, distanciamento e proteção individual dos intervenientes processuais, garantindo ainda que serão disponibilizadas máscaras de proteção e gel desinfetante na medida do necessário a quem trabalha e pertence aos tribunais.
Questionado pela Lusa, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, prevê que o regresso à atividade nos tribunais irá fazer-se “de forma assimétrica e progressiva”, de acordo com as condições físicas dos tribunais de cada comarca.
“Há tribunais que funcionam em apartamentos ou blocos de escritórios onde é difícil o cumprimento das regras da Direção-Geral de Saúde”.
Segundo António Ventinhas, os julgamentos e as diligências com “um número pequeno de intervenientes sofrerão um incremento significativo, mas o mesmo não sucederá nas situações em que se encontrem envolvidos um número elevado de arguidos e respetivos advogados”.
A este propósito, comentou: “Vemos com muita apreensão o facto de em várias comarcas não serem disponibilizados espaços adequados para o Ministério Público (MP) realizar interrogatórios de arguidos ou inquirição de testemunhas. Outra das preocupações prende-se em saber se as equipas de limpeza conseguirão assegurar a higienização em todos os tribunais e serviços do MP”.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares, alertou por seu lado que “há ainda questões logísticas graves não totalmente resolvidas” para que “tudo funcione o melhor possível” no retomar da atividade dos tribunais.
“Nem todos os tribunais têm serviços de limpeza para assegurar a higienização dos espaços nos horários de funcionamento. Os tribunais estão sem manutenção de ar condicionado há meses e há muitas salas, talvez a maioria, sem condições para a realização de julgamentos com 20 a 30 pessoas”, indicou o dirigente da ASJP.
Em sua opinião, estes problemas logísticos podem inviabilizar a intenção legislativa de aumentar significativamente o número de julgamentos efetuados.
Manuel Soares apontou ainda problemas e dificuldades relacionadas com a realização de julgamentos em salas de audiência que funcionam em contentores e lembrou que no Tribunal de São João Novo (Porto) dificilmente poderá haver julgamentos com coletivo de juízes se não forem instalados a tempo separadores em acrílico.
O presidente do ASJP, antevendo uma acumulação de processos devido à pandemia, sobretudo na área de trabalho e comércio, apelou ao Governo para que aprove legislação para baixar ou isentar custas processuais, bem como medidas para facilitar o acesso ao apoio judiciário.
Questionado também sobre o tema, o bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Luís Menezes Leitão, referiu que “depois de semanas de espera, entra quarta-feira finalmente em vigor” o diploma que possibilita a reabertura dos tribunais.
“É manifesto, no entanto, que as condições de segurança nos tribunais, que têm demonstrado ser locais de risco para o coronavírus, estão longe de estar asseguradas. Grande parte dos tribunais tem salas de audiência internas, sendo que alguns até funcionam em contentores, sendo impossível abrir quaisquer janelas. E, nesses casos, há instruções para desligar o ar condicionado, o que tornará o ambiente irrespirável na época do calor. Grande parte das salas são tão pequenas que é impossível manter o distanciamento social nas mesmas”, alertou Menezes Leitão, ao fazer um retrato das dificuldades.
O bastonário da OA observou igualmente que o Governo colocou separadores acrílicos nas secretarias, mas “os mesmos têm buracos que deixam passar o vírus”.
Segundo Menezes Leitão, os tribunais “não estão a fornecer equipamentos de proteção a advogados e testemunhas, pretendendo que estes os adquiram em máquinas de venda ao preço exorbitante de um euro cada”.
Ao mesmo tempo – acrescentou – continua-se a exigir às pessoas que lá entrem que obtenham uma senha de entrada numa máquina que só é desinfetada uma vez por hora, colocando as pessoas convocadas em risco de contaminação por essa via.
Menezes Leitão criticou também as restrições de entrada colocadas a advogados e testemunhas, que ficam “fora à espera ao sol, o que é extremamente penoso para os mesmos”, dizendo que espera por isso que “estas condições sejam rapidamente melhoradas”.
Por seu lado, o presidente do Sindicato dos Magistrados Judiciais (SFJ), Fernando Jorge, disse à Lusa que a “maior preocupação é a implementação das medidas de segurança” nos tribunais, apesar de a ministra da Justiça ter sossegado recentemente o SFJ ao dizer que “não há razão para haver falta de nada”, incluindo máscaras e gel desinfetante.
Fernando Jorge alertou que há funcionários judiciais que passam horas a fio nas salas de audiência e que, por isso, necessitam de mudar regularmente de máscara de proteção. Daí que a sua maior preocupação seja a segurança, o que passa também por manter o devido distanciamento. Ainda recentemente, relatou, numa secretaria judicial que em tempos normais costuma acolher 12 pessoas há dias estavam lá precisamente 12 pessoas.
“Há que ter cuidado com os espaços” e com as regras de segurança a aplicar, concluiu Fernando Jorge, em véspera do reinício da atividade dos tribunais, em que, admitiu, são também esperados uma acumulação de processos, muito semelhante ao que aconteceu aquando do `crash´ do sistema Citius há uns anos.
O diploma sobre o reinício da atividade dos tribunais define que as audiências de julgamento e a inquirição de testemunhas dos processos ocorram presencialmente, cumprido o limite máximo de pessoas e as regras sanitárias definidas pela DGS, ou, em alternativa, através de meios de comunicação à distância como teleconferência ou videochamada, a realizar num tribunal.
O diploma também define as exceções, nomeadamente se uma das partes do processo ou algum advogado tiverem mais de 70 anos, forem imunodeprimidos ou sofram de uma doença crónica “não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal” devendo ser utilizada a teleconferência ou videochamada.
No período de vigência deste regime excecional ficam suspensos o prazo de apresentação do devedor à insolvência, as ações de despejo e os procedimentos especiais de despejo, as diligências de entrega judicial da casa de família e os processos para entrega de imóvel arrendado se o arrendatário ficar numa “situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa”.
FC/CC // HB
Fonte: Visão