Quem sofrer um acidente e for a tribunal reclamar uma indemnização poderá vir a receber um valor mais elevado do que previsto até agora pela lei. Para o cálculo vão passar a contar outros rendimentos além do salário líquido mensal. Em causa está o facto de o Tribunal Constitucional (TC) ter declarado que a norma que fixava esse teto máximo era, na verdade, inconstitucional. O TC considerou que estavam a ser violados direitos fundamentais: direito à prova e o direito ao contraditório.
“Em 2008 [ano em que a norma foi introduzida] um dos fundamentos fulcrais para estabelecer o valor de indemnização por danos patrimoniais passou a ser o rendimento mensal líquido do sinistrado. Com esta declaração de inconstitucionalidade, este elemento cai e isso vai acabar por tornar mais abrangente o valor de indemnização a ser fixado”, explica Hugo Travassos, jurista da Asa Lawyers.
De uma forma simples: para apurar o valor de indemnização a ser paga só poderiam entrar na equação os valores líquidos declarados (o salário já após os descontos) e nem mais um cêntimo, o que deixava de fora rendimentos expectáveis por parte de quem deveria ser indemnizado. Por exemplo, se a pessoa a quem é devida a indemnização trabalhasse mas de facto ou não declarasse o ganho ou este não fosse quantitativamente fixável, e não pudesse exercer a atividade devido ao acidente, esses valores que eventualmente poderia vir a receber nunca entravam nas contas.
Depois de o Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucional a aplicação da norma em três casos concretos (respetivamente nos Acórdãos com os números 383/2012, 273/2015 e 565/2018, já transitados em julgado), o Ministério público decidiu interpelar o TC para que considerasse a norma inconstitucional, o que acabou por acontecer, conforme publicado em Diário da República esta segunda-feira.
“O acórdão do Tribunal Constitucional nº 221/2019 declarou assim a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição”, lê-se no texto do acórdão.
Apesar desta decisão do TC, segundo o jurista, “será sempre necessário fazer prova de outros rendimentos relevantes passíveis de serem considerados, e cabendo ao tribunal decidir se os aceita ou não”.. Hugo Travassos diz ainda que também não está afastada a possibilidade de ser o próprio Governo a pedir ao Tribunal Constitucional para rever a norma e a introduzir na lei.
Por agora, as seguradoras terão de abrir os cordões à bolsa ou pelo menos esperarem contestação por parte de quem reclama uma indemnização.
(Fonte: Jornal Diário de Notícias).