Com um Parlamento diferente do da anterior legislatura, o PS volta a levar a votos a regulação das empresas cobradoras de dívidas extrajudiciais. Advogados e solicitadores repetem críticas: é contra o Pacto para a Justiça.
O PS prepara-se para levar de novo a votos uma proposta de regulamentação de empresas de cobrança de dívidas extrajudiciais – habitualmente conhecidas como “cobradores do fraque” -, com o objectivo de proteger as pessoas perante práticas abusivas. Os socialistas tentam assim retomar um processo que começou no final de 2017, mas contam já com a rejeição do sector. Advogados e solicitadores argumentam que, no Pacto para a Justiça, os operadores judiciários recusaram qualquer modelo de cobrança extrajudicial de créditos vencidos fora do quadro dos agentes do sistema de justiça.
A 4 de Março, deu entrada no Parlamento um projecto de lei do PS sobre o “regime de protecção de pessoas singulares perante práticas abusivas decorrentes de diligências de cobrança extrajudicial de créditos vencidos”. Nele, os socialistas definem um conjunto de regras de funcionamento das empresas que fazem cobrança de dívidas. Proíbe-se, por exemplo, o uso de “indumentária” própria (fraque) durante a diligência, assim como as visitas a casa de devedores “entre as vinte horas e as oito horas do dia seguinte”.
Os socialistas explicam que “continuando, pois, em falta um normativo que regule transversalmente a matéria e que assegure a protecção das pessoas singulares e a possibilidade de intervenção fiscalizadora das entidades públicas, é este o contexto em que surge a presente iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PS, fruto de inúmeros contactos de cidadãos ao longo dos anos, dando nota da desprotecção dos consumidores perante práticas agressivas de algumas entidades, e da necessidade de separar com clareza as águas entre práticas ilícitas e o exercício de actividades no respeito da lei e dos direitos dos cidadãos interpelados”.
O debate na generalidade deste projecto ainda não está agendado, mas o projecto já mereceu a oposição dos operadores judiciários. No parecer enviado para o Parlamento na semana passada, a Ordem dos Advogados diz ter uma “total e absoluta rejeição” ao diploma. A Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução considera que “a solução de legalizar a cobrança extrajudicial de créditos alegadamente para proteger os devedores, impondo regras parcelares e necessariamente lacunosas a empresas que se dediquem a esta actividade, sem estarem submetidas a quaisquer deveres, designadamente de natureza deontológica, é inoportuna, desnecessária e iníqua, merecendo o mais veemente repúdio”.
Ambos referem os “Acordos para o Sistema de Justiça”, assinados a 15 de Janeiro de 2018, nos quais foi declarada “a rejeição de qualquer modelo legal de cobranças extrajudiciais fora do quadro do sistema de Justiça”. A Ordem dos Advogados acrescenta que o Pacto da Justiça justifica que a existência destas práticas implica o “aumento de regulação e fiscalização” e a Ordem dos Solicitadores defende que se o PS quer legislar sobre este tema então que clarifique, “no elenco dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores, que estão reservados apenas a estes profissionais quer a cobrança extrajudicial de créditos de terceiros, com ou sem negociação; quer a negociação tendente ao pagamento de dívidas de terceiros ou à sua reestruturação”.
O diploma do PS mereceu ainda parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) que o considerou “problemático” no que toca a acesso a dados pessoais do credor e do devedor.
PS tentou em 2017. Será que desta consegue?
Tanto os advogados como os solicitadores referem nos pareceres que se repetem as posições que ambos assumiram quando analisaram o diploma entregue pelo PS na legislatura passada (em Dezembro de 2017) para regular os cobradores do fraque.
Nessa data, os socialistas entregaram um projecto de lei diferente do que agora chegou ao Parlamento e que foi criticado por praticamente todos os partidos com apenas o BE a mostrar reservas, abrindo espaço para um eventual apoio que teria de ser trabalhado na especialidade.
Sem maioria absoluta, o PS precisava do apoio do BE, PCP e Verdes, os parceiros da “geringonça” para aprovar o projecto. Mas a falta de apoio levou os socialistas a pedir dispensa de votação no debate na generalidade. Segundo as notícias da altura, até a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, discordava do projecto socialista. O diploma ficou parado na comissão de assuntos constitucionais até que em Fevereiro de 2019 o PS entregou uma proposta de alteração.
No entanto, esta proposta foi considerada como tendo um “texto com sentido significativamente diferente do texto inicial”, bloqueando o retomar do processo legislativo, a que se juntou a proximidade do fim da legislatura. O PS retirou essa nova proposta, que volta agora a apresentar. No entanto, a composição do Parlamento é diferente nesta legislatura. Não só há mais partidos, como o PS e o BE têm deputados suficientes para aprovar a lei, se se conseguirem entender.
Fonte: Público