O caso
Uma magistrada do Ministério Público (MP) foi punida disciplinarmente pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) com uma pena de 40 dias de suspensão e transferência para um cargo idêntico noutro tribunal ou serviço. Em causa estava a violação do dever de zelo, pelo facto de, estando colocada no tribunal do trabalho, não ter aceite patrocinar uma trabalhadora que surgira nos seus serviços, quando faltavam ainda 9 dias para o termo do prazo para intentar uma ação de grande simplicidade, o qual era suficiente para o adequado desempenho da tarefa; a violação do dever de correção, pela forma abrupta e em tom elevado como se dirigira a um dos intervenientes numa tentativa de conciliação; e a violação dos deveres de isenção, imparcialidade e de prossecução do interesse público, por ter interferido por diversas vezes num processo de adoção, a favor de um casal seu conhecido, até ao ponto de, aproveitando uma escala de turnos do MP durante as férias judiciais de verão, ter conseguido despachar no processo para que fosse ordenada a entrega da menor a esse casal, contra a decisão das entidades competentes. Discordando da sua punição, a magistrada reclamou, tendo depois impugnado judicialmente o acórdão do plenário do CSMP que a confirmou.
Apreciação do Supremo Tribunal Administrativo
O STA julgou improcedente a ação impugnatória deduzida contra o acórdão do Plenário do CSMP, ao decidir que viola os deveres de isenção, imparcialidade e prossecução do interesse público a que está obrigada a magistrada do MP que intervém de forma repetida num processo para conseguir que uma criança fosse entregue para adoção a um casal próximo de si, depois de a entidade competente já ter selecionado outro casal adotante.
Os deveres de isenção, imparcialidade e prossecução do interesse público, consistem, quanto à isenção, em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, para si ou para terceiro, das funções que exerce; quanto à imparcialidade, em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente quaisquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos; e, quanto à prossecução do interesse público, na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Não pode, assim, uma magistrada do MP, só por ser muito próxima dos pais de um dos elementos do casal que pretendia adotar uma criança, à qual se tinha afeiçoado, e apesar de exercer funções no tribunal do trabalho, abordar por diversas vezes a juíza titular do processo, procurando influenciá-la a decidir a favor do casal, bem como de forma persistente os funcionários judiciais, solicitando informações do processo, ao ponto de, sabendo que a Segurança Social já tinha decidido a entrega da menor a um outro casal, aproveitar o facto de estar de turno durante as férias judiciais, para consultar o processo, pedir que o mesmo lhe fosse confiado e despachar no sentido de ser ordenada a entrega da menor ao casal seu conhecido, sem que se verificasse nenhuma situação urgente que o justificasse.
Trata-se de uma atuação de gravidade muito elevada e que demonstra uma noção distorcida e imprópria das funções de magistrada do MP, visto esta ter intervindo de forma pré-concebida relativamente a uma das partes e com pré-juízo relativamente a uma solução favorável à mesma, de acordo com o seu ponto de vista pessoal, em razão da ligação de conhecimento ao casal que pretendia adotar a menor, o que permite justificar plenamente a pena disciplinar aplicada, sem que se tenha verificado qualquer ilegalidade ou violação do direito de defesa no processo passível de fundamentar a sua alteração.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0786/16.0BALSB, de 18 de novembro de 2021
Lei n.º 35/2014, de 20/06, artigo 73.º
Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86 de 15/10, artigos 108.º e 216.º
Fonte: LEXPOINT